Era uma vez: 6 jogos que não possuem final feliz (contém alguns spoilers)

Foto de Dmitry Spravko no Unsplash


Nem todo jogo termina com heróis comemorando vitórias ou vilões derrotados de forma tradicional. Às vezes, uma jornada leva o jogador a um desenvolvimento inesperado, desconfortável ou até profundamente filosófico. Esses finais, longe de serem previsíveis ou desafiadores, desafiam convenções narrativas e deixam marcas de rigidez em quem as vivencia.

A seguir, exploramos sete jogos que ousaram entregar detalhes surpreendentes da dor à reflexão, da subversão à tragédia, deixando sua marca registrada na vida dos gamers. 

The Last of Us Part II: vingança sem redenção

O segundo capítulo da franquia da Naughty Dog não apenas dividiu opiniões, ele redefiniu o que se espera de uma narrativa madura nos videogames. Lançado em 2020 e otimizado para o PS5, The Last of Us Part II começa com uma ferida aberta: a morte brutal de Joel, ou então pai de Ellie, nas mãos de Abby, uma personagem inicialmente misteriosa, que mais tarde é revelada como alguém também ferido pelo passado.

O jogo, então, embarca em uma jornada que, à primeira vista, parece ser sobre justiça. Mas à medida que Ellie mergulha em uma caçada obsessiva, o jogador é obrigado a confrontar o outro lado da história. A grande virada vem quando se assume o controle de Abby e se testemunha sua dor, sua perda e sua própria luta pela sobrevivência, em um espelho narrativo que obriga o jogador a confrontar os limites da empatia e da moralidade.

A violência, sempre presente, é retratada sem glamour. Cada confronto é pesado, cada morte carrega peso emocional, reforçando o tema de que ninguém sai ileso de uma vingança. E quando Ellie finalmente encontra Abby no clímax, desfigurada e exausta, ela hesita. Em vez de fazer um acerto de contas sangrento que muitos esperavam, o jogo entrega um gesto de rendição.

O final é desconcertante: Ellie volta para casa e encontra tudo vazio. Dina foi embora. O violão — símbolo de sua ligação com Joel — está desafinado, suas cordas quebradas, assim como o protagonista. Não há vitória, apenas cicatrizes. E é justamente essa ausência de catarse que torna The Last of Us Part II tão poderoso. Ele desafia a lógica do “final esmagador” e opta por algo mais cruel, porém honestamente falando, a vingança nem sempre é plena, você perde os dedos e a morena.

Far Cry 5: o apocalipse inesperado

Em Far Cry 5 , a Ubisoft Montana apresenta Hope County, uma região rural fictícia nos Estados Unidos dominada por um culto fanático apocalíptico liderado por Joseph Seed, o autoproclamado “Pai”. Com uma estética de realismo cru e uma narrativa associada a simbolismo religioso e paranóia política, o jogo parecia seguir a fórmula clássica da franquia: um tirano carismático, resistência armada e muito caos explosivo.

Mas Far Cry 5 não é sobre libertar uma terra oprimida e sair como herói. A ambientação, mais uma vez, engana. Durante toda a campanha, o jogador (um policial novo sem nome) lutou ao lado da resistência para desmontar o culto e prender Joseph. Em meio a combates intensos, sequestros, lavagens administrativas e momentos de tensão psicológica, a expectativa é clara: estamos marchando rumo à vitória. Só que a virada final inverteu tudo.

No clímax, Joseph avisa: o “fim” está próximo mas não de forma simbólica, mas literal. E quando o jogador finalmente o confronta, duas opções aparecem: deixar Joseph ir (o que já seria anticlimático) ou prendê-lo. A escolha, porém, um pouco importante. Ao tentar cumprir a missão, bombas nucleares explodem ao fundo, dando início ao verdadeiro apocalipse. O mundo termina.

O final é devastador porque invalida tudo o que foi feito até ali. A esperança que sustentava cada passo da jornada se dissolveria numa cortina de fumaça radioativa. O jogador é solicitado a aceitar que, talvez, Joseph tenha sido certo desde o início, ou pior, que o fanatismo dele provocou exatamente aquilo que anterior, criando uma profecia autorrealizável. A sensação de impotência e frustração, rara nos videogames, é o que torna esse desfecho tão imediato.

SOMA: a consciência além do corpo

SOMA , desenvolvido pela Frictional Games, é um jogo que mistura terror psicológico com ficção científica existencial. Ambientado em uma estação submarina no futuro, após um evento catastrófico na Terra, a narrativa gira em torno de Simon Jarrett, um homem comum que acorda repentinamente em um ambiente hostil, muito tempo depois de ter feito um simples exame cerebral em 2015. O que começa como uma busca por respostas logo se torna uma jornada angustiante sobre identidade, consciência e o que significa ser .

Ao longo do jogo, o jogador descobre que Simon não é mais um humano como conhecido, mas uma cópia digital de sua mente, inserida em um corpo robótico. Ele vaga pelas ruínas da estação PATHOS-II, onde outras consciências humanas foram específicas para máquinas, muitas das quais lutam contra a própria natureza, em um momento consciente de sua condição, no outro em negação total, presas entre a dor da memória e a ausência do corpo físico.

O propósito de Simon muda ao longo da jornada: de sobreviver, ele passa a buscar um novo significado para sua existência. Surgiu então o projeto ARK, uma cápsula que contém cópias digitais da consciência humana, pronta para ser lançada ao espaço, onde poderá “viver” eternamente em um mundo simulado e pacífico. Simon embarca nessa missão, acreditando que encontrará redenção ao garantir esse futuro virtual para a humanidade.

O clímax, porém, é mais uma vez um golpe direto na expectativa do jogador. Simon consegue enviar a ARK, mas não vai junto. Sua consciência original permanece na estação, enquanto uma cópia de si mesmo desperta dentro da simulação perfeita. O Simão que nos acompanha durante toda a jornada fica para trás, sozinho, preso no fundo do oceano, confrontando o vazio absoluto de sua existência.

Esse final é brutal porque levanta questões profundas sobre identidade e continuidade da consciência. Se uma cópia sua vive, você realmente vive? Para Simon, a resposta é um grito de desespero. Para o jogador, é uma reflexão perturbadora sobre o que nos torna humanos. SOMA não entrega terror por sustos, mas pelo peso existencial que se acumula a cada decisão, a cada revelação.

Shadow of the Colossus: sacrifício e silêncio

Lançado originalmente no PS2 e reimaginado com maestria no PS4 e compatível com o PS5, Shadow of the Colossus é uma obra-prima do minimalismo narrativo. Sem diálogos longos, sem trilhas expositivas ou missões paralelas, o jogo da Team Ico entrega uma jornada solitária, introspectiva e trágica, onde cada vitória carrega o peso de uma derrota moral.

Você controla Wander, um jovem que invade uma terra proibida em busca de um milagre: trazer de volta à vida uma garota chamada Mono. Para isso, ele faz um pacto com uma entidade misteriosa chamada Dormin. A condição? Derrotar dezesseis colossos, criaturas gigantescas, majestosas, aparentemente pacíficas, espalhadas por um mundo vasto e desolado.

À primeira vista, a missão parece uma aventura heroica. Mas conforme os colossos caem, um padrão desconfortável se forma: cada um deles parece mais uma força natural do que uma ameaça. Eles não atacam Wander a menos que sejam provocados. A música triunfante dá lugar a melodias melancólicas. E a cada colosso abatido, uma sombra toma conta do protagonista, deformando lentamente seu corpo e alma.

O final chega como um sussurro brutal: o ritual era, na verdade, uma armadilha. Ao destruir os colossos, Wander libertou fragmentos de Dormin, que se fundem com ele. Transformado em uma criatura demoníaca, ele é derrotado por sacerdotes que selam a terra proibida. Mono desperta, mas Wander não está mais lá, ou melhor, está renascido na forma de um bebê com chifres, carregando as consequências de seu pacto sombrio.

Não há celebração, não há vitória. Shadow of the Colossus inverte completamente a lógica tradicional dos jogos de ação. Ele não recompensa o jogador com conquistas, mas com dúvidas morais: será que valia a pena? Wander sacrificou tudo, inclusive a si mesmo, em nome de um amor incerto e o custo foi devastador.

Red Dead Redemption: a morte como redenção

Lançado originalmente no PS3, mas jogável no PS5 por meio da retrocompatibilidade, Red Dead Redemption da Rockstar Games é uma história poderosa e melancólica. Muito mais do que um jogo de faroeste, ele é uma meditação sobre o fim de uma era, o peso do passado e a impossibilidade de escapar das próprias escolhas.

Você assume o papel de John Marston, um ex-fora-da-lei que tenta deixar sua vida de crimes para trás. Forçado pelo governo a caçar e matar os antigos membros de sua gangue em troca da segurança de sua família, Marston embarca em uma jornada repleta de violência e dilemas morais. O jogo apresenta o velho oeste em seus últimos suspiros, um mundo em transição onde cowboys estão sendo substituídos por leis, trilhos e cidades modernas.

Ao longo da narrativa, John luta para se redimir, ajudando pessoas, tentando fazer a coisa certa, mesmo que isso signifique trair antigos aliados. Quando finalmente cumpre sua parte do acordo, ele retorna ao lar e tem um breve momento de paz com sua esposa e filho. O jogador acredita que o ciclo de violência chegou ao fim.

Mas o final é implacável.

Em um dos momentos mais marcantes da história dos videogames, os agentes do governo traem John e cercam seu rancho. Em vez de fugir, ele abre a porta do celeiro, alguns sacos de soldados e a bolsa seu revólver, tentando proteger sua família. A cena congelada no tempo: Marston é metralhado, caindo lentamente enquanto a poeira do velho oeste assiste à morte de seu último homem de princípios.

A história não termina ali. Anos depois, o jogador assume o controle de Jack, o filho de John, agora um jovem aguentado. A última missão é opcional, mas essencial: encontrar e matar Edgar Ross, o homem responsável pela morte de seu pai. A cena final mostra Jack atirando no agente à beira de um rio. Uma vingança fria, silenciosa, que encerra o ciclo com um gosto amargo de justiça tardia.

Silent Hill 2: desafiando os demônios internos

Lançado originalmente para PlayStation 2, Silent Hill 2 continua sendo uma das experiências mais perturbadoras e emocionalmente complexas dos videogames, e sua relevância só aumenta com o tempo, especialmente com o remake em desenvolvimento para PS5. Muito além de sustos e criaturas grotescas, o jogo explora temas como culpa, luto, negação e psicologia. Seu final, longe de qualquer catarse tradicional, é um mergulho sombrio nas profundezas da mente humana.

O protagonista, James Sunderland, recebe uma carta de sua esposa Mary, morta há três anos, dizendo que o espera na misteriosa cidade de Silent Hill. Movido pela esperança e confusão, ele parte em busca de respostas. O que se segue é uma jornada opressiva, onde a cidade parece se formar a partir dos traumas e pecados de James.

Cada criatura encontrada em Silent Hill carrega simbolismos relacionados à sexualidade reprimida, vergonha e dor. Pyramid Head, talvez o monstro mais icônico do jogo, não é um simples vilão: ele é a personificação do desejo de vingança de James, uma força que o persegue implacavelmente até que ele se preocupe pronto para encarar a verdade.

E a verdade é devastadora.

Conforme a história se desenrola, o jogador descobre que James, incapaz de lidar com a doença terminal de Mary, acabou por matá-la. Um ato de misericórdia ou de egoísmo? A ambiguidade é intencional. Silent Hill não julga, ela apenas revela que os personagens se escondem até de si mesmos.

O final que o jogador recebe depende de suas escolhas ao longo do jogo, mas nenhuma das opções é propriamente redentora. Em uma das possibilidades mais marcantes, James escreve uma carta final para Mary e parte com Laura, uma criança inocente que o acompanhou na jornada. Em outra, ele simplesmente se afoga no lago, um suicídio silencioso que encerra sua culpa de forma trágica. Há ainda o bizarro final "UFO", como um respiro surreal em meio à escuridão, mas esse é claramente não canônico.

Silent Hill 2 termina sem uma solução fácil. Não há vilão a ser derrotado, cidade a ser salva ou redenção plena a ser alcançada. É uma história de terror íntimo, em que o inimigo está dentro do próprio protagonista. E talvez por isso, mesmo décadas após seu lançamento, continue sendo um dos finais mais impactantes e desconcertantes da história dos jogos.

Conclusão: finais que ficam com você

Esses jogos provam que um final impactante não precisa ser feliz ou esmagador. Ao desafiar expectativas e subverter clichês, eles criam experiências narrativas mais ricas e memoráveis. São finais que incomodam, que emocionam, que fazem pensar. Porque, às vezes, a melhor forma de terminar uma história é justamente deixar o jogador sem palavras.



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